As universidades e a novíssima fase da evolução humana

No semanário Expresso de hoje o Professor universitário e distinto politólogo, Feliciano José Barreiras Duarte, regista a sua opinião acerca da «universidade do futuro», apresentando-nos o desafio que os governos da China e da Índia, as duas grandes potênciais emergentes, têm adoptado de ultrapassar o ensino superior do Ocidente em qualidade e relevância às necessidades do mundo real. Os dois países têm definido uma estratégia a ser concretizada nos próximos dez anos. O autor da opinião conhece bem e está associado com universidades públicas e privadas. Não hesita afirmar que temos exemplos de boa gestão e inovação, bem como de má gestão e falta de inovação,  tanto em sector público como em sector privado. Vai mais longe quando escreve:  “Vários estabelecimentos de ensino superior público já estão atrás de algumas universidades privadas, essas que, a expensas próprias  e sem praticamente apoio de dinheiros públicos, têm promovido a sua modernização e qualificação a vários títulos” (p. 36)

Nesses debates acerca da adaptação  do ensino à vida real existem todavia muitos equívocos, particularmente quando equacionam a “utilidade” da formação quase exclusivamente com a criação de competências técnicas / tecnológicas.  Esquece-se que as novas tecnologias podem produzir artesãos e mecânicos de muita boa qualidade,  mas muitos portugueses já fizeram a sua vida até agora relativamente bem com tais competências sem terem chegado a completar o ensino secundário, e muitos com nenhuma formação escolar básica! Portugal não precisa somente de mais artesãos e mecânicos, mas de jovens e adultos com capacidade crítica, de decisão e de inovação. No mundo global de conhecimento actual, as competências não se adquirem somente com engenharias, ou com cursos que prometem emprego imediato no pequeno e frágil mercado nacional. A economia global que será dominada cada vez mais por países com grandes potencialidades competitivas, a evolução humana que já passou pelas fases de homo habilis, faber e sapiens sapiens, vai precisar de atingir mais um patamar, ou seja, as universidades do futuro terão que produzir homo sapiens sapiens sapiens ! Este escalão de tripla sabedoria implica uma combinação de competências tecnológicas,  valores humanos e respeito pela natureza. Já não estamos na fase da revolução industrial que produziu o capitalismo selvagem e as crises ambientais que vivemos.

O ensino superior que só fique pelas tecnologias, de melhor qualidade que sejam, e não cuide das áreas de “re”-conhecimento e promoção dos valores humanos e protecção ambiental, pouco servirá para um futuro mais digno e mais sustentável  para todos. Colaboração tecnológica com parceiros ao nível global vai requerer necessariamente certos valores humanos como prerequisitos, começando pelo respeito mútuo sem  ressacas do passado de superioridade colonial ou ocidental. Caso contrário, sem uma forte componente de formação em humanidades, o nosso ensino superior poderá servir para a sobrevivência de alguns durante mais algum tempo neste nosso Portugalzinho.

Teotónio R. de Souza

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