O folclore musical cristão de Goa

É lugar comum asseverar que a música flui nas veias de um goês. Desde tempos imemoriais música fez parte da cultura goesa. Mas depois da conquista de Goa por Afonso d’Albuquerque em 25 de Novembro de 1510 o talento musical dos goeses desenvolveu-se nas escolas paroquiais. As escolas paroquiais ministravam o ensino da música clássica ocidental (polifonia) e religiosa (catochão). Da simbiose da musica ocidental e da música indiana brotou o folclore musical cristão goês. É uma combinação do estilo indiano tradicional e de novas formas ocidentais. Os Indús continuaram com o seu folclore musical: fugdi, dhalo, talgoddi.

Entre diversos géneros musicais do repertório folclórico cristão temos mandó, dulpod, dekhnni, invocações.

Mandó: É história de amor, narrada em forma de canto amoroso. O vocábulo mandó deriva do termo sânscrito “mandalam”, que significa “movimento circular”. As dançarinas dançam em círculos, sobretudo nos últimos estágios da dança. A música do mandó é uma combinação perfeita da música Latina e Indiana. Dir-se-ia que é uma síntese do minueto italiano e do canto das bailadeiras dos templos indús. Vai-e-vém da dança, com dignidade e graça. O ritmo é marcado pelo tamborim (ghumott), instrumento de percussão de forma oval, feito de argila com a abertura coberta com a pele da lagartiça. É geralmente canto de amor, mas por vezes foi tecido com temas políticos. Hoje o mandó é estilizado em forma polifónica.

Dulpod: Dulpod segue o mandó. A lírica oferece variados cenários da vida goesa, por vezes hilariantes, outras vezes sarcásticos. O ritmo musical é apressado, pois simboliza o dinamismo da vida do povo comum. A dulpod move-se em um staccato e depois culmina em um ritmo sincopado, acompanhado pelo tamborim.

Dekhnni: É forma de canto com dança. É canto composto por artistas cristãos com nostalgia pelo passado indú, onde era pronunciado o tema de bailadeiras do templo, chamadas devadasis ou kolvontam. É do contexto do culto indú.

Temos também provérbios (mhonn’nneo) que são cantados em estilo goês. Os provérbios se referem a diversas situações concretas da vida goesa. As invocações são breves frases musicais, incisivas e críticas. São de carácter pragmático, por exemplo Pavsa, pavsa io (Vem, ó chuva) ou Nagddó Pettaró (Nú).

Há também canto folclórico curumbim [com sistema audio e colunas ligadas poderá ouvir uma amostra do canto]: Decorre ao redor da vida da comunidade curumbina de Goa, que foram habitantes primitivos desta terra. Expressa as dificuldades da comunidade na sua situação angustiosa.

Em Portugal já foi gravado pelo grupo coral Ekvat da Casa de Goa há uns anos um CD com algumas amostras do folclore musical goês.

História, memória e funcionalidades

 

Na ressaca do discurso do Presidente da República nas comemorações do 25 de Abril, alguns vultos da cultura nacional comentaram o famoso inquérito feito aos jovens pela Universidade Católica. Hoje, no Público, foi a vez de Rui Tavares, historiador.

Na sua sempre polémica abordagem, na sua quase sempre acertiva análise, Rui Tavares pega na questão de uma forma totalmente inesperada – não, não irei fazer um resumo do texto, para isso peço ao internauta para o ler. Que podemos inferir da falta de cultura histórica dos jovens, nomeadamente no que respeita ao mundo da política?

O historiador enceta uma reflexão que vai no sentido de se perceber porque se sabe de alguma coisa. De facto, mais importante que saber o que se sabe, é tentar ir um pouco mais longe e, já agora, para que interessa saber sobre certro assunto, o que se ganha com isso, o que tal conhecimento, ou a falta dele, significa.

Seguindo Rui Tavares, também eu não sei os nomes de inúmeros presidentes ou primeiro-ministros de paises da UE. E então? Em que é que isso me diminui? Donde, em que nos diminui (a eles, aos jovens, é claro), o facto de não se saber quem foi o primeiro Presidente da República eleito após o 25 de Abril?

O que interessa, de facto, não é a memória como galhardete de conversa entre amigos, de erudição que faz embasbacar o outro. A memória deve ter uma utilidade, uma função.

Normalmente, é no campo da identidade e da cidadania que tudo se coloca. Não está errada esta postura, mas deve ser pensada mais profundamente.

Aqui, neste tópico, está uma importante questão que deverá merecer reflexão pelo grupo dos historiadores. Para que serve a memória…

Paulo Mendes Pinto

Curso Superior para os maiores de 23 anos: a História garante o direito à Memória


É extremamente triste e intrigante que a sociedade portuguesa continua muito carenciada em termos de informação que lhe é útil e indispensável para remediar os seus atrasos e problemas estruturais. É verdade que uma grande maioria da população não tem acesso à internet apesar da propaganda oficial acerca do «choque tecnológico»! O choque é de não haver choque! Oferecem-se computadores às escolas, mas o que fazem os alunos pobres fora da escola? O mesmo acontece ainda com os estudantes universitários.

Seria um dever de solidariedade os cidadãos com melhores condições e posses avisarem os outros menos afortunados e com mais de 23 anos de idade, especialmente os trabalhadores, que eles não precisam já de acabar o 12º ano do secundário para terem acesso ao ensino superior. Se cada cidadão com acesso à internet fizesse isso para um cidadão menos afortunado, teria contribuído para melhorar o país. Não venham com as lérias de não haver empregos para todos os licenciados! Ter licenciados na rua já será um bom começo para os políticos não ficarem descansados! E nem os patrões!

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Parafraseando Luiz Joaquim dos Santos Marrocos…

…que foi arquivista, bibliotecário de D. João VI no Brasil e, posteriormente, ocupou cargos importantes na corte de D. Pedro I do Brasil, o segundo de Portugal:

 “A gente é indigníssima, soberba, vaidosa, libertina; os animais são feios, venenosos. Eu não gosto de prender-me nesta terra, que julgo para mim de degredo […] Estou tão escandalizado com este país, que dele nada quero, e quando daqui eu sair, não me esquecerei de limpar as botas nas bordas do cais, para não levar o mínimo vestígio desta terra […] Quando se trata das más qualidades do Brasil, é para mim matéria vasta de ódio e zanga […] e julgo que até dormindo pragejo contra ele”.
 
Laurentino Gomes, 1808-como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil, São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2007, p.338.

Pedro Araujo pedroaraujo68@gmail.com

GOA: Uma simbiose de culturas

 

Goa é uma ilustração interessante de cruzamento de culturas. Não vou abordar o tema de diversas imigrações no território de Goa. Limito-me ao fenómeno lusofóno: os portugueses foram os primeiros mensageiros da cultura ocidental no Oriente em grande escala. Quando os navegadores portugueses chegaram  a este subcontinente, não encontraram um “país de selvagens”, mas uma “civilização diversa da sua, inferior em muitos traços e superior em alguns”, como afirmou o Conde de Ficalho na sua obra Garcia da Orta e o seu Tempo.

Lembro-me que quando estive de breve visita a Portugal em 1976, indo de combóio, ouvi alguns passageiros que estavam sentados perto de mim a dizer: “Vem de Goa. Goa era um país selvagem”. Mas, dizia eu que não estava a ver muito diferente do que via em Goa: casinhas ao largo do caminho de ferro. Em certos aspectos, Goa era muito superior.

Sem entrar em antagonismos enervantes e desagradáveis, falamos da mais antiga civilização do mundo. Certamente que não havia escolas em moldes modernos, mas não faltavam pequenos núcleos de estudos onde os brâmanes versados nos conhecimentos dos livros religiosos do hinduismo ensinavam à mocidade, em curso mais ou menos longo, os Vedas e os Puranas. Além da matéria religiosa, ministrava-se aos jovens ensino elementar que abrangia noções de leitura e escrita, em alfabeto devanagárico, e também as quatro operações de aritmética. Estava em uso a tabuada de multiplicação de inteiros e fracções incomparavelmente superior à tabuada de Pitágoras. No tocante ao ensino superior, não havia em Goa centros de alta cultura como a Universidade de Taxila, mas havia homens doutos (xastris), que se dedicavam ao estudo profundo não só da religião mas também das ciências e nomeadamente da medicina que marcara na Índia avanço notável. Segundo atesta o naturalista português Garcia da Orta (1502-1568) que em 1542 se achava em Goa e o viajante holandês Jan Huyghen Van Linschotten entre 1583-1588, havia em Goa médicos (panditos) hindús muito hábeis no tratamento de várias moléstias e cujos serviços eram utilizados pelos próprios reinóis: vice-rei, arcebispo, monges, frades, embaixadores, comerciantes.

A língua portuguesa trouxe cultura ocidental que cresceu no solo indiano. Esta simbiose nota-se na língua, arte, música, cultura.