A História garante o direito do cidadão à Memória

“A História garante o direito do cidadão à memória”, refere o Professor Doutor Teotónio R. de Souza, em entrevista ao SEMANÁRIO, falando ainda sobre as características do curso de História leccionado na Universidade Lusófona, de que é director, bem como das valências existentes para estudantes maiores de 23 anos.”

Qual o futuro da História?
É o mesmo que perguntar se temos futuro sem rumo? Claro que não. Rumo a partir de quê? Por que é que chegamos a um ponto onde sentimos a necessidade de mudar o rumo? Não é possível mudar nada sem um conhecimento crítico do nosso passado. É o que chamamos História! Quando se questiona o futuro da História, estamos geralmente a confundir a capacidade e competência de reconstruir criticamente o passado com um saudosismo estéril. Este é que não tem futuro. A formação em História deve ser obrigatória a todos os cidadãos ao nível da educação secundária, e felizmente isto acontece. É aconselhável que seja também uma formação ao nível superior, não somente para formar professores que sejam necessários, mas para formar os formadores da opinião pública (opinion makers) como garantes do direito à memória. Seria desastroso confiar este direito às manipulações dos políticos.

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Mahatma Gandhi e Conversões

Mahatma Gandhi foi grande líder indiano. Ele viveu a espiritualidade da política. Verdade é Deus. Ele não se converteu do hinduísmo a uma outra religião mas ele viveu as bem-aventuranças evangélicas. Ele admirou Cristo.

Lendo algumas das suas passagens, podemos concluir o seguinte:

Gandhi se chama hindú Sanatani (Sanatani Hindu), porque ele acredita nos Vedas, Upanishadas, Puranas, que são escritura hindú. Ele acredita nos avataras e renascimento. Ele acredita em castas, mas não no seu sentido popular, torcido, crú. Ele acredita na veneração da vaca como também no culto da imagem (murti puja) (Young India: June 10, 1921)

Mahatma Gandhi não se converteu porque o hInduísmo lhe satisfazia inteiramente a alma, enchia todo o seu ser. Quando as dúvidas o assaltam, quando ele não pode ver nem sequer um raio de sol no horizonte, ele se volta ao Bhagavad Gita e busca lá um verso para sua consolação. Eis que imediatamente ele sorri no meio da mágua. A sua vida foi cheia de tragédias, mas elas não deixaram sulco algum indelével, porque ele se embebeu com o ensino do Bhagavad Gita. (Young India: June 8, 1925)

Ele não aceita conversão duma pessoa por outra, porque, diz ele, o meu esforço não deve ser para destruir a fé doutrem. Isto implica fé na verdade de todas as religiões e portanto respeito por elas. Isto implica verdadeira humildade (Young India: April 23, 1931).

Conversão é contra o progresso da paz. Porque deve um Cristão procurar converter um hIndú ao Cristianismo? Porque não deve ele ficar satisfeito se um hIndú é um homem bom? (Harijan: January 30, 1937).

Conversão duma fé para outra é um afazer pessoal para o indivíduo e o seu Deus. Eu devo honrar a sua fé como honro a minha. Tendo lido as Escrituras do mundo, acho que não posso pedir um Cristão ou Muçulmano ou Parsi ou Judeu mudar a sua f’é como nem eu mudaria (Harijan: September 9, 1935)

Eu não desejo arrancar-te do Cristanismo e fazer-te hindú, nem eu goastaria converter-me ao Cristianismo. Eu disputaria a vossa pretensão que o Cristanismo é a única verdadeira religião (Harijan: June 3, 1937)

Conversão não deve ser de-nacionalizacão. Conversão deve significar evitar definitivamente o mal e adoptar o bem. Conversão significa uma vida de maior dedicação ao país, maior rendição a Deus, maior auto-purificação (Young India: August 20, 1925)

Como ando pela latitude e longitude da India, vejo muitos cristãos Indianos envergonharem-se do seu nascimento, certamente da sua religião ancestral, e dos seus trajes ancestrais. O imitar de Europeus pelos Anglo-Indianos é mau, mas o imitar pelos convertidos indianos é uma violencia ao país e, direi mesmo, ainda à sua nova religião (Young India: August 8, 1925).

Não vejo porque se deve mudar de religião. Proselitismo sob a capa de trabalho humanitário não é são. Há muito ressentimento por cá. Religião é, no fim das contas, uma coisa profundamente pessoal, ela toca o coração. Porque devo eu mudar de religião porque o médico que me curou professa Cristianismo como sua religião, ou porque deve o médico esperar que eu mude enquanto eu estou sob a sua influência? (Young India: April 23, 1931)

O meu receio é que os meus amigos cristãos, embora não o digam, admitam que hInduísmo não é verdadeiro, que é falso e que Cristianismo é a única religião verdadeira. É esforço para eradicar o hInduísmo dos seus alicerces e substituí-la por outra fé (Harijan: March 13,1937)

Os Missionários estão a destruir a fé (Young India: November 8, 1927). Conversão deve ser purificação, mas tornou-se negócio (Young India: April 23, 1931). Os missionários não devem vender bens. Eles não tem bens espirituais, mas tem bens materiais (Harijan: April 3, 1937)

O advento dos missionários trouxe disrupção da família em forma de mudança de traje, costumes, linguagem, alimento e bebida (November 5, 1935)

Jesus para mim é um grande mestre da humanidade, mas não o único filho de Deus. Este epíteto na sua interpretação material não é aceitável. Metafòricamente todos nós somos filhos de Deus, mas para cada um de nós pode haver diferentes filhos de Deus em um senso especial. Assim, Chaitanya pode ser o único flho de Deus. Deus não pode ser Pai exclusivo nem posso eu atribuir divindade exclusiva a Jesus (Harijan: June 3, 1937)

O Cristianismo do ocidente não é expressão do Cristianismo de Cristo. Eu não posso conceber Jesus, se ele vivesse em carne no meio de nós, aprovando organizações modernas cristãs, culto público, ou ministério (Young India: September 22, 1921)

Ele não aceitava o Cristianismo que estava ligado ao imperialismo britânico (Young India: March 21, 1929)

Ele afirmava que todas as religiões são verdadeiras, e que devemos orar para que um hIndú seja melhor hIndú, um Muçulmano seja melhor Muçulmano, um Cristão seja melhor Cristão (Young India: January 19, 1928)

Muito para pensar e digerir…


Dr. Ivo da C. e Sousa

Um hindu avalia o cristianismo na Índia

A conferência episcopal da Índia (CBCI) reuniu-se numa sessão extraordinária em Janeiro de 1994 para marcar 50 anos da sua existência. Convidou também académicos leigos para se pronunciarem sobre a Igreja católica e as suas actividades, sucessos e insucessos. Na lista dos convidados especiais entrava Arun Shourie, escritor e jornalista hindu, bem como deputado na câmara alta do parlamento da nação. Falou sobre a percepção hindu da actividade missionária cristã na Índia em termos históricos e de actualidade. Desta sua exposição resultou uma publicação: Missionaries in India – Continuties, Changes, Dilemmas, New Delhi, HarperCollins Publishers, 1994, pp. 293.

Shourie utiliza profusamente o relatório publicado pelo governo do estado de Madhya Pradesh – Report of the Christian Missionary Activities Enquiry Committee , Madhya Pradesh , Govt . Printing Press , 1956, 2 vols ., que se serviu de base para legislar contra a entrada de missionários estrangeiros na Índia para actividades que resultem em conversões. Entre outras curiosidades apresentadas na sua exposição estuda o aproveitamento político dos regimes coloniais. Chama atenção às dificuldades na preparação dos Censos. Não sabiam definir em todos os casos quem era um Hindu na categoria da religião. O hinduísmo nunca se considerou uma religião. Considera-se como dharma , que tem uma conotação predominantemente vivencial , cultural e não-institucional . É por esta razão que os Hindus detestam a interferência ocidento-cultural dos missionários. Depois de passar em revista o que ele considera como abusos e práticas arrogantes dos missionários coloni alistas, Arun Shourie analisa as adaptações diplomáticas do discurso teológico da Igreja católica à situação pós-independência , passando de calúnia para empatia, e de único possuidor e transmissor da verdade para o ecumenismo . Aponta para os esforços no sentido de ver “prenúncios” do cristianismo na compaixão budista. Aponta para distinção que se faz e para as tensões dentro da Igreja entre teologia da missão e teologia da igreja local. Analisa os documentos do Vaticano II que introduz a linguagem de diálogo, mas sempre orientado para evangelização como conversão ao cristianismo! Shourie conclui que fazer de diálogo uma arma, já lhe retira a essência de ser um processo aberto em todos os sentidos, e sem um destino pré-ordenado. Também acha estranho ver nos documentos produzidos pela Igreja na India , citando decretos produzidos em Roma para justificar as suas decisões locais. Faz-lhe lembrar do velho CPI ( Comunist Party of India ), que precisava de legitimação de Moscovo para todas as suas declarações políticas! Torna-se assim difícil, diz Shourie , entender como é que se constrói uma igreja local com instruções emanadas do Vaticano. Faz referência ao descontentamento de alguns missionários com as actividades reformistas de algumas organizações hindus, tal como a Servants of India Society . Tal como fazia Gandhi, estes procuravam corrigir os abusos culturais contra os intocáveis da sociedade indiana. Os missionários sentiam que se lhes tirava o tapete, enquanto os reformistas hindus acusavam os missionários de utilizar ajuda humanitária como instrumento de conversões. Refere aos movimentos secessionistas nos estados do NE da Índia onde uma grande maioria dos Nagas, Bodos, e outros grupos tribais têm sido convertidos pelas igrejas protestantes, principalmente baptistas americanos. Pergunta se a cristianização não é possível sem respeito pela nacionalidade e cultura local.

Finalmente deixa uma pergunta que Gandhi fazia aos seus amigos missionários americanos e ingleses: Uma rosa precisa de pregar o seu aroma?  A vossa espiritualidade não é mais do que uma rosa?


O ocidente e os três orientes?

Mário B. Sproviero distingue e identifica três Orientes que estão vivos (que sobreviveram os culturicídios da era dos Descobrimentos) e presentes no mundo de hoje, e que depois da ocidentalização global, através da revolução planetária da tecnologia, emergem os mesmos, lutando pela supremacia no mesmo campo de batalha económico-tecnológico ocidental.

Para o mundo globalizado de hoje é premente um conhecimento recíproco profundo entre Oriente e Ocidente. O ponto de partida deve ser uma demarcação clara do que sejam os três Orientes e o Ocidente em suas unidades e oposições.

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Nietzsche: antitotalitário e antidemocrático

O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de “transcendente”, de “eterno” e “verdadeiro”, quando os valores não são mais do que algo “humano, demasiado humano”.

O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escrava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. “Este ódio de tudo que é humano”, diz Nietzsche, “de tudo que é ‘animal’ e mais ainda de tudo que é ‘matéria’, este temor dos sentidos… este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa… vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida”.

Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: “munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal”. A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura “fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo”. Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra “bom”. Em latim, bonus significa também o “guerreiro”, significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de “bem” e de “mal”. Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento (“é tua culpa se sou fraco e infeliz”); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reacção contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar “criar” para querer dizer “dominar”; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula “tu és mau, logo eu sou bom”, Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, e negam a “afirmação”; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A “profundidade da consciência” que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a “profundidade da interioridade” é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do “guerreiro”, do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem. Assim, o vôo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície.

A etimologia nietzschiana mostra que não existe um “sentido original”, pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são “interpretações essenciais”. As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é “aliviar o que vive, dançar, criar”. Zaratustra, é o intérprete por excelência.

Vontade de potência, diz Nietzsche, significa “criar”, “dar” e “avaliar”.

Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma acção, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.

Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. “A democracia é a forma histórica de decadência do Estado”, afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: “estamos a sofrer as consequências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o Estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal facto não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez”. Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas “fantásticas”; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem “terrível”, sendo criação da violência e da conquista e, como conseqeência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: “o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência”.

O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.


Alguns aforismos de Nietzsche:

“Nunca suponha igualdade de sentimentos.”

“Não há factos, só interpretações.”

“Há homens que nascem póstumos.”

“Não pretendo ser feliz, mas verdadeiro.”