Nova guerra fria: Quem perde com o equilíbrio?

Na vaga de acusações e contra-acusações entre a Rússia e os países da OTAN estaremos a ver o desenrolar da nova guerra fria? Provavelmente não o mesmo tipo da guerra fria que conhecemos. UE ameaça desde há dias que a Rússia poderá vir a ser excluída do G-8 e da WTO, e que poderá sofrer sanções, mas não é capaz de definir os pormenores! Ao contrário, a Rússia não ameaça mas está a tomar algumas contra-medidas concretas. O representante russo perante a UE declarou que as sanções deverão doer mais à Europa do que à Rússia. A UE depende da Russia para 60% do seu petróleo, e 40 % do seu gás. Enquanto a Polónia está desde há um ano proibida de exportar carnes para a Rússia, esta proibição poderá ser em breve extensiva à exportação das aves por 19 empresas americanas, e à exportação das carnes pelos países da UE, embora os países directamente visados sejam a Bulgária e a Roménia que pretendem entrar na UE muito em breve.

A Rússia tem acordos bilaterais com diferentes países da UE para o fornecimento de gás e petróleo, o que vai dificultar qualquer contra-medida séria pela UE em termos colectivos. Duvida-se por exemplo que a Alemanha tenha apetite para apoiar sanções contra a Rússia em vésperas do inverno! Apesar de muitos desejos de ver uma UE com uma política externa e de defesa unânimes, é de duvidar se a Europa deixará de ser um conglomerado de nações com as suas agendas privadas. E do Reino Unido nem se fale! A banda Miliband faz alguns ruídos anti-russos, e poderá mais tarde vir a exigir recompensa por isso, sem ter feito nada mais de concreto do que os outros. Acaba de ser divulgada uma informação contida nos arquivos secretos de MI5 que um agente secreto, James Lonsdone-Bryans, tinha a aprovação de Lord Halifax para negociar um acordo com os Nazis no início da Segunda Guerra para a Alemanha ficar com o império continental se o Reino Unido podesse assegurar o seu império no ultramar! Se não fosse a queda do Primeiro Ministro Neville Chamberlain teríamos outra Europa hoje. Mas já dá para entender melhor o Direito Internacional à l’Ouest! Comentarista da BBC tentou convencer os ouvintes que tratava-se de um diplomata amador, mas foi assim que se serviram do Lawrence da Arábia quando conseguiram os apoios dos Árabes no Médio Oriente contra o império otomano durante a Primeira Guerra, mas a seguir à Guerra um acordo secreto anglo-francês negava aos Árabes tudo o que lhes tinha sido prometido! É este tipo de duplicidade diplomática que define o que o Ocidente declara como vias pacíficas de resolver conflitos internacionais. Não são na realidade procedimentos menos desonestos e detestáveis do que as operações militares frontais dos russos!

O Ocidente está habituado a discursos de alta moralidade, enquanto é conhecido pela prática constante de tergiversões. Fala muito de Direito ( e Direito Internacional) sem querer lembrar-se de que muito desse Direito é resultado de um processo histórico conflituoso, equívoco e sempre inacabado. Ignora-se convenientemente que é um Direito interesseiro de países que impuseram as suas vontades sobre outros países e sobre outros valores culturais. Esquece-se ainda das situações conflituosas de grandes dimensões e de passado recente dentro da própria Europa. A Alemanha foi mais de uma vez forçada a aceitar acordos internacionais nos seus momentos de derrota e humilhação. A Rússia não teve outra opção após a queda da união soviética excepto reconhecer a independência das regiões dissidentes que procuraram apoio político da Europa que saía ganhadora na guerra fria. Da mesma maneira como a Alemanha recusou reconhecer as imposições em certos momentos, também o mesmo parece estar a acontecer agora com a Federação Russa.

Habituado durante séculos a dar ordens e a ser obedecido em nome de Direito (leia-se: os seus interesses codificados) o Ocidente não consegue admitir que alguém lhe resista e faça leituras diferentes de valores e interesses.  A “comunidade internacional” (leia-se = EUA + UE) sofreu de amnésia e esqueceu-se que a Sérbia tinha a sua integridade territorial e soberania garantidas pelos acordos internacionais quando enviou forças da OTAN e deu acordo à auto-proclamação da independência pelo Kosovo? Os genocídios também se definem ao sabor do Ocidente e pensa-se que existe estabilidade e equilíbrio quando todos se submetem ao seu mando. Talvez o grande erro da Europa neste momento está em ser incapaz de pensar em outros moldes que não sejam os históricos. Não é capaz, por exemplo, de compreender a nova Rússia excepto como um regresso da Rússia czarista ou Rússia soviética. Em breve terá que habituar-se a conviver com a nova China, com a nova Índia, com o novo Brasil. A Europa vai precisar de aprender novos caminhos para conviver com as novas realidades, e deixar para  trás a história que criou e a única que conhece, reconhece e pretende ensinar ao resto da humanidade. Quanto aos EUA, estes  fazem bem em estarem mais ocupados em casa para cuidarem dos furacões e divertirem-se nos circos eleitorais para não terem muito tempo livre para criar mais um furacão Saakachvili no Cáucaso ou para se meterem na vida alheia nos outros continentes.

Sugestões de Leitura 4

Saudações a todos os co-blogueiros destas nossas Folhas de História.

Volto à vossa presença, em mais um início de semana, para deixar algumas sugestões bibliográficas, aproveitando desta vez duas propostas do suplemento Actual, do jornal Expresso, de Sábado, 15 de Março do corrente ano.

  • Em primeiro lugar, Navios e Viagens – A Experiência Portuguesa nos Séculos XV a XVIII, dse Francisco C. Domingues, editado pela Tribuna da História. Um livro que não poderia estar mais de acordo com os interesses da grande maioria de todos nós, revelando-se ainda de especial interesse para os meus colegas do segundo ano, no âmbito da cadeira de Descobrimentos, cuja sinopse oficial da editora é a seguinte:

“Na História dos Descobrimentos e da Expansão tudo aconteceu porque houve navios e viagens. Navios capazes de longas rotas transoceânicas, de forma continuada e sustentada – nunca foi o ir que constitui em si matéria de novidade, mas o retorno e o voltar de novo –, homens que viajaram por todos e para todos os recantos do mar, movidos “pelas mais desvairadas tenções”, como escreveu um navegador de há cinco séculos atrás. Os doze estudos que aqui se reúnem têm o desejo de contribuir para a resposta a uma questão fundamental: como é que os portugueses navegaram, muito mais do que para onde foram e como é que o conseguiram antes de outras nações marítimas.”

( Informações sobre o autor em http://homepage.oniduo.pt/fcd/ )

  • Relativamente à História Europeia Contemporânea, apresenta-se o título Guilherme II – O Último Imperador da Alemanha, uma biografia da autoria de Mathias Fischer, editada pela Principia, ainda em 2007, com a seguinte sinopse:

“Quem foi Guilherme II? Qual foi, afinal, a sua responsabilidade nos trágicos acontecimentos que conduziram à eclosão da Primeira Guerra Mundial? Seria, em termos de opção pessoal e política, Guilherme II mais imperialista ou belicista do que os seus contemporâneos Nicolau II da Rússia, Francisco José do Império Austro-húngaro, Vitor Emanuel II de Itália, Edward Grey da Grã-Bertanha ou Raymond Poincaré de França? […]
Como era a relação entre Guilherme II e o famoso Chanceler Otto von Bismark? Foi Guilherme II o principal responsável pelo eclodir da «Grande Guerra»? Os trágicos eventos que conduzem à Primeira Guerra Mundial devem-se a uma decisão consciente e assumida de Guilherme II ou simplesmente à sua falta de coragem e de intervenção face às chefias militares? […]
Qual era a situação social, política e cultural que se vivia na Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial?”